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Irecê como laboratório do semiárido: o caminho para uma cidade-esponja do Sertão

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O avanço das chuvas de outubro de 2025 sobre o município de Irecê (BA) reacende um alerta antigo, mas cada vez mais urgente: a vulnerabilidade das cidades do semiárido frente a eventos climáticos extremos.Com previsão de chuvas entre 30 e 60 mm/h e ventos de até 100 km/h, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) emitiu alerta laranja para a região. Esse tipo de evento, cada vez mais frequente, evidencia a necessidade de repensar o modo como construímos e planejamos nossas cidades.

Irecê — cidade situada no coração do Sertão baiano — cresceu sob uma lógica de resistência à natureza, canalizando rios, cobrindo o solo e tratando a chuva como ameaça. Mas a realidade climática mudou: o Sertão, antes conhecido pela seca, agora também inunda.As chuvas deixam de ser apenas fenômenos naturais e passam a ser indicadores de falhas urbanas e oportunidades de inovação ecológica.


Contexto climático e urbano


Irecê está localizada em uma região de transição entre o clima semiárido e o tropical, o que gera irregularidade nas precipitações.Segundo dados da Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (SUDEC, 2024), o município já registrou alagamentos com chuvas abaixo de 40 mm — sinal claro de deficiências estruturais na drenagem urbana.O adensamento desordenado e a pavimentação intensiva agravaram a impermeabilização do solo, reduzindo drasticamente a infiltração e aumentando o escoamento superficial.

Esse padrão urbano cria o que especialistas chamam de efeito concreto: a cidade perde sua capacidade natural de absorver a água e passa a se comportar como uma superfície rígida, onde a água escorre e destrói em vez de alimentar e regenerar.


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modelo de “Sponge City” (Cidade-Esponja) usada em publicações científicas de urbanismo e gestão hídrica.

Li, Y.; Li, J.; Yu, K. (2017). “The concept of sponge city and its application in urban stormwater management.” Water (MDPI), vol. 9, no. 9, p. 594.


O conceito de cidades-esponja


Para enfrentar esses desafios, surge um modelo inovador de urbanismo ecológico: as cidades-esponja (Sponge Cities).Desenvolvido na China a partir de 2015, o conceito propõe que as áreas urbanas imitem o funcionamento da natureza, absorvendo, armazenando e reutilizando a água das chuvas.

Em vez de sistemas de drenagem subterrâneos rígidos e caros, as cidades-esponja apostam em infraestruturas verdes, como:

  • Pavimentos permeáveis e jardins de chuva;

  • Telhados verdes e reservatórios pluviais;

  • Parques lineares e zonas de infiltração natural;

  • Canais vegetados e hortas comunitárias que retêm e filtram a água.

Essas soluções têm o potencial de transformar o risco em recurso — reduzindo enchentes, recarregando o lençol freático e gerando microclimas mais equilibrados.


O semiárido como território de inovação climática


A ideia de uma cidade-esponja parece, à primeira vista, incompatível com o Sertão — uma região marcada pela escassez hídrica. No entanto, é justamente aí que está a sua força transformadora.

No semiárido, cada gota de chuva é valiosa.Ao pensar Irecê como uma cidade capaz de reter e reutilizar essa água, estamos propondo uma reconfiguração radical da lógica urbana: em vez de combater o clima, conviver com ele de forma inteligente.Essa visão faz do Sertão um laboratório vivo de inovação climática, capaz de testar soluções que unam tradição, tecnologia e natureza.


Irecê como laboratório do semiárido


Pensar Irecê como uma “cidade-esponja do Sertão” é mais do que metáfora — é uma estratégia de adaptação climática e regeneração urbana.

A topografia suave da região, somada à presença de lagoas urbanas e áreas subutilizadas, cria um cenário ideal para reconfigurar o tecido urbano através de infraestrutura verde.Em vez de ver as lagoas como zonas de risco, é possível tratá-las como núcleos ecológicos que conectam drenagem, lazer e biodiversidade.

Projetos como parques lineares, drenagem naturalizada e hortas comunitárias em zonas de captação poderiam integrar o ciclo da água ao cotidiano da cidade, reduzindo riscos e gerando benefícios sociais, econômicos e ambientais.

Esses espaços seriam mais que infraestrutura: seriam infraestruturas vivas, capazes de educar, refrescar e proteger a cidade ao mesmo tempo.Cada calçada permeável, cada canteiro de chuva, cada telhado verde seria parte de um sistema maior de convivência com o clima.

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Projeto piloto de parque da cidade em irecê BA- 2025- TAIPA ARQUITETURA

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Políticas públicas integradas e governança local


Nenhuma cidade se torna esponja sozinha.Essa transição exige políticas públicas articuladas entre as secretarias de Meio Ambiente, Infraestrutura e Educação, com apoio de universidades, coletivos ambientais e instituições culturais.

  1. Planejamento territorial: o Plano Diretor deve reconhecer a água como elemento estruturante do território, incluindo zonas de infiltração e corredores ecológicos urbanos.

  2. Educação ambiental: escolas podem se tornar polos de aprendizado climático, com jardins de chuva e sistemas de captação pluvial como ferramentas pedagógicas.

  3. Gestão participativa: a população deve ser envolvida em mutirões de limpeza, reflorestamento e manutenção de canais de drenagem.

  4. Inovação local: criação de editais e programas de fomento a tecnologias sustentáveis — pavimentos drenantes, captação comunitária e bioengenharia.

  5. Economia circular: incentivo a hortas e compostagem urbana, conectando manejo de resíduos à infiltração de águas.

Essa governança participativa transformaria Irecê em um modelo de cidade educativa e resiliente, onde o planejamento urbano dialoga com a vida cotidiana e o saber popular.


Território como infraestrutura viva


Em Irecê, o território pode ser entendido como infraestrutura viva, um organismo capaz de interagir com o ciclo da água. As lagoas urbanas, quando restauradas e integradas ao sistema de drenagem, podem funcionar como bacias de retenção natural, armazenando água das chuvas e evitando enxurradas.

A recuperação das margens dessas lagoas — hoje degradadas — abriria espaço para parques ecológicos, hortas comunitárias e zonas de lazer. Essas intervenções têm efeito duplo: reduzem o impacto das chuvas e criam espaços públicos que fortalecem o senso de comunidade.


O laboratório vivo do Sertão


Com seu porte médio, posição geográfica estratégica e identidade cultural forte, Irecê pode se tornar referência nacional em urbanismo adaptativo no semiárido.A cidade reúne condições ideais para experimentação: conhecimento técnico local, universidades próximas, redes de coletivos ambientais e vontade de mudança.

Transformar Irecê em um laboratório vivo de resiliência hídrica significa unir ciência, cultura e prática. Projetos-piloto poderiam ser implementados em parceria com o Casulo Criativis, escolas municipais e instituições regionais, criando um ecossistema de inovação climática que extrapola fronteiras políticas e inspira o Sertão baiano.


Absorver para resistir


Ser uma cidade-esponja é uma escolha política, ética e simbólica.É escolher absorver em vez de repelir, colaborar em vez de combater, viver com o Sertão em vez de lutar contra ele.

As chuvas de outubro de 2025 não precisam ser vistas como ameaça, mas como um convite à reinvenção.Ao aprender com a água — sua paciência, seu caminho, sua capacidade de transformar — Irecê pode se tornar um exemplo de convivência inteligente com o clima, inspirando outras cidades do interior do Brasil a fazerem o mesmo.

Porque o futuro das cidades do Sertão não está em secar o solo, mas em aprender a absorver a vida que vem com a chuva.

Escrito por:

Uelisson Monteiro de Alcantara Silva

Arquiteto e Urbanista

Produtor Musical

Artista visual


Referências


  • INMET. Avisos Meteorológicos – Região de Irecê (BA). Instituto Nacional de Meteorologia, 20 out. 2025.

  • SUDEC. Relatório de Vulnerabilidade Climática Municipal – Irecê. Salvador: Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia, 2024.

  • LI, Y.; YU, K. The Sponge City concept in China: A nature-based approach to urban stormwater management. Landscape Architecture Frontiers, 2018.

  • ONU-Habitat. Cidades Resilientes e Infraestruturas Verdes no Semiárido Brasileiro. Brasília, 2022.

 
 
 

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